Há um tempo atrás, eu e meu irmão (Diêgo) estávamos conversando e refletindo sobre a vida quando ele me disse o seguinte: “a humanidade evolui para sua própria destruição”1. Foi uma reflexão bastante pessimista para um garoto que na época tinha menos de 20 anos. Pensar nisso é doloroso, mas as vezes, infelizmente, começo a acreditar no que ele me disse. Digo isso porque há poucos dias vi mais uma vez o véu da morte se estender sobre a humanidade e celebrar vitória.
Em 2 de maio de 2011 os E.U.A conseguiram mais uma “vitória” contra o terrorismo: Osama Bin Laden foi executado. A América do Norte conseguiu tirar a vida de mais um terrorista que ela mesma criou. Com isso Barak Obama garantiu seu “bom governo”, subindo, inclusive, 9 (nove) pontos de popularidade imediatamente após a notícia da morte de Bin Laden. E provavelmente a figura política de Barak Obama será mais lembrada na história como “o homem que conseguiu matar o terrorista mais procurado do mundo”, do que como o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Então, provavelmente, Obama será mais lembrado por ter conseguido uma vitória pela morte, do que por ter conseguido uma vitória contra a morte (a luta contra o preconceito racial – problema social latente naquele país).
E que não venham me dizer que a (suposta) luta dos E.U.A contra o terrorismo é legítima. Pois, quantos mais terroristas (ou ditadores sanguinários a exemplo de Saddan Hussein) os E.U.A terão de criar apenas para alimentar seu comércio da guerra (o comércio da morte). Nem tampouco venham me dizer que vil atitude foi por justiça aos mortos de 11 de setembro de 2001, se são os Estados Unidos e sua sede imperialista insaciável que plantam e germinam sementes de injustiça e morte em todo lugar.
Ora, não digo isso sem fundamentos, para exemplificar nem precisar ir longe, basta lembrar a recente história brasileira: quantos homens e mulheres não morreram por causa da Ditadura Militar financiada e orquestrada pelas norte-americanos em sua luta para combater o avanço comunista no país. Se quiser um caso mais cruel (se assim posso colocar), basta lembrar os ataques nucleares, promovidos pelos Estados Unidos, contra Hiroshima e Nagasaki no fim da II Guerra Mundial. Ataques nos quais se estima o número total de mortos de 140 mil em Hiroshima e 80 mil em Nagasaki. Isso, sem contar as consequências maléficas posteriores, oriundas da exposição à radiação nuclear. Certamente essa foi a maior ação terrorista da história da humanidade.
E nesse cenário de morte, o que vemos: a América e o ocidente felizes. Que tolice! Até quando se exaltará o derramamento de sangue e a morte em nome de uma suposta paz?
E pior. A este fato horrível e desumano dar-se apenas um mero cartaz jornalístico. Isso sem contar o modo como a notícia chaga até nós. A mídia lança uma enxurrada de notícias superficiais (quando não manipuladas) e tão repetitivamente que não nos possibilita sequer pensar direito sobre o assunto e no máximo ficamos indignados (claro, não poderíamos deixar de ficar). Até o ponto que ficamos cansados da mesma coisa o tempo inteiro e acabamos por deixar de lado mais um grande problema que atinge a humanidade sem ao menos refletir criticamente sobre o acontecido2. E o fato só será lembrado3 novamente depois de uma nova ocorrência de terrorismo. E novamente: outro bombardeio de notícias, rápidas indignações sem a devida reflexão e a inércia social.
Não estou aqui, contudo, promovendo uma defesa à Osama Bin Laden, pois como disse Leonardo Boff, em seu artigo “Fez-se vingança, não justiça”: “alguém precisa ser inimigo de si mesmo e contrário aos valores humanitários mínimos se aprovasse o nefasto crime do terrorismo da Al Qaeda do 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque”. Nem tampouco defendo que todos os norte-americanos são adeptos da violência promovida por seu país. Aqui, tento apenas oferecer um ponto de partida para uma reflexão humanística sobre nossos valores e sobre nossas prioridades. Pois por muitas vezes não entendo: estamos aceitando “viver” numa condição lamentável, na qual se vive por nada, se mata por tudo. Sobrevivemos “enquanto todo mundo espera a cura do mal, e a loucura finge que isso tudo é normal”.4
E perceba: à morte de Bin Laden, esse fato desumano, foi dado ainda uma conotação de esperança. Algo que enxergo como sendo uma distorção total de nossos valores humanos e que chega a ser doentio. A esperança, pois, promovida pelo discurso norte americano já nasce deturpada, já trás consigo o fardo da morte. Esperança tal que se alimenta com o desejo de exterminar todos aqueles considerados terrorista pelos E.U.A, pois os americanos sabem que com a morte de Bin Laden os ataques terroristas podem até ser intensificados, o que resultará numa resposta de guerra mais firme ainda (se é possível) dos E.U.A. O palco da morte e da falsa esperança está montado, os atores da desumanidade em cena e todos assistiram ao horror desse anti-espetáculo.
Não podemos mais aceitar esse regime de medo e morte. É acreditando nisso que defendo outro modo de esperança. Defendo uma esperança que deve ter início a partir de uma reflexão crítica da configuração social do mundo. Porém, esperança que, essencialmente, deve brota da fé em pessoas que trabalham e lutam com muito esforço e dedicação para fazer aflorar em nossa sociedade a justiça social. Esperança nas pessoas que fazem da sua existência um meio disseminador de liberdade para todas as formas de saberes e sabores. Esperança naqueles que através das artes apontam para as mais diversas formas de amar e ser feliz em conjunto. Fé nas pessoas que percebem no amor uma força que nos liberta e impulsiona à vida e para a vida, acreditando que o verdadeiro sentido de viver é poder sentir e realizar as emoções desse grande amor.
Talvez para muitos essas palavras soem como um discurso clichê, mas não o é. Pois como disse no início do parágrafo anterior, a esperança deve ter início com a reflexão. Então, concordando com os ensinamentos de Paulo Freire, acredito que toda ação subjetiva já é em si uma ação objetiva5. Portanto, se partimos de uma reflexão crítica sobre o mundo e acrescentarmos a ela a reflexão sobre as esperança que buscam por liberdade, amor e justiça social, iremos caminhar em direção a uma ação objetiva real e prática que lute pela existencialidade digna da condição humana. Essa é a esperança que germina vida e é a opção que faço para viver.
Notas
1. (Aconselho ler esta nota após a leitura do texto). Se se analisar a frase “a humanidade evolui para sua própria destruição” de modo mais preciso ela, em si mesma, poderia ser considerada contraditória, tendo em vista que a palavra evolução é utilizada comumente num sentido de: melhoria, crescimento, desenvolvimento, aperfeiçoamento do domínio do ser humano sobre a natureza e sobre os meios tecnológicos. E o sentido de destruição, por sua vez, seria o contrário: devastação, ruína, fim do que foi construído. Nesse sentido, então, a frase seria um contra-senso.
Entretanto, na nossa sociedade – a qual deveria ser supostamente “mais apta” na luta pela sobrevivência humana devido ao alto grau tecnológico que há hoje – o uso do “desenvolvimento” é, muitas vezes, utilizado apenas para segregar, humilhar, explorar, impor pela força e aniquilar aquele que é colocado como “o outro”. Interna ou externamente, em qualquer sociedade se percebe que aquele outro (“o diferente de mim” - que pode ser um indivíduo ou um grupo) não pode ficar contra os interesses egoístas hegemônico naquele contexto social com o risco eminente de seu extermínio. (Assistam “O senhor das Armas”, “O Jardineiro Fiel”, “Amor sem fronteiras”, “O poderoso Chefão”, “Diamante de sangue”, dentre vários outros filmes e essa ideia ficará mais clara). Nessa perspectiva, portanto, a construção da frase foi correta e coerente.
2. Tem-se de considerar ainda o fator tempo (matéria-prima primordial para o exercício da reflexão), ou melhor dizendo, a falta dele (tempo que nos é roubado pelo capitalismo para produção da “mais-valia”), como argumento e, evidentemente, como causa para toda falta de reflexão sobre e ação contra tudo aquilo que destrói a dignidade da existência humana.
3. Provavelmente você ao ler esse texto já não lembre mais desse fato, exatamente pelo motivo que coloquei na nota 2.
4. Parte da música “PACIÊNCIA” composta e interpretada por Lenine.
5. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
por Diogo Bezerra, Região NE II